O Twitter, Facebook e a censura
As medidas tomadas contra Donald Trump pelo Twitter e pelo
Facebook, traz à tona a discussão sobre a liberdade de expressão nas redes
sociais e na internet e o poder das grandes empresas do setor. Quase todas com
sede nos EUA.
Apesar de ter sido muito aplaudida por muitos mundo à fora,
inclusive na esquerda brasileira, a decisão não deixa de ser polêmica. Essas
empresas podem agir de forma a silenciar em suas redes personagens
indesejáveis? A resposta é complexa e esse tema não pode ser abordado de forma
simplista. Uma séria questão inicial: se o Twitter pode banir da sua rede Donald
Trump, o presidente da maior potência mundial, pode banir qualquer um sem pedir
autorização a ninguém. E esse banimento é mundial. Apesar do “crime” cometido
por ele ter sido nos EUA, a decisão afeta o mundo. No Brasil ele não cometeu
crime algum. As mensagens dele não causaram nenhum tipo de dano por aqui. Mas
seus seguidores brasileiros não poderão mais se comunicar com ele por essas
ferramentas. E se o Twitter fosse uma empresa brasileira deveria fazer o mesmo
com o presidente dos EUA?
Os meios de comunicação sempre foram regulados por
legislações nacionais. Rádios, TVs e até mesmo a imprensa escrita, operam em
qualquer país submetidos a leis e regulamentos. A sociedade sempre entendeu que
a comunicação deve ser ao mesmo protegida e fiscalizada para, por um lado
assegurar os princípios democráticos e por outro proteger contra excessos que
possa comprometer a democracia, principalmente pelo abuso do poder econômico.
Rádios e TVs por usarem um bem público de propriedade dos
Estados, as faixas de frequência, muitas vezes, como no Brasil, atuam em regime
de concessão. O estado concede à empresa o uso de uma certa faixa de frequência
por um período, cobra por isso e exerce o controle da atividade através de
leis, regulamentos e contratos de concessão. As rádios e TVs não são donas das
faixas de frequência. Periodicamente os contratos vencem e precisam ser
renegociados. O poder público pode ou não renovar a concessão. E sempre pode
cassar a concessão ao longo do contrato, tirando a rádio ou tv do ar. A imprensa
escrita, apesar de não estar submetida a nenhuma concessão, também está
submetida a leis que modulam a sua ação. Em países autoritários, como no Brasil
do período do golpe militar, há até censura prévia, que avalia todos os textos
antes de serem publicados. Questões como direito de resposta, responder
civilmente por calúnia e ter responsabilidade sobre tudo que é publicado, com
frequência fazem parte das legislações de muitos países.
Esse tema é tão sensível aos países que em muitos, como no
Brasil, há restrições à participação estrangeira nas empresas de comunicação.
Esses mecanismos vêm sendo tratados há décadas no mundo todo. Fazem parte de
vários acordos internacionais. A democracia não sobrevive sem meios de
comunicação livres. Mas ela também não sobrevive sem que haja algum controle
social sobre a atividade. Essa não pode ser uma terra de ninguém, funcionando
no princípio de cada um faz o que acha que deve ou se autorregulando. A
comunicação, e com ela a imprensa de uma forma geral, em suas várias formas e
com seus vários suportes, é uma atividade social, que por ser também exercida
por empresas privadas, precisa de alguma forma de regulação. No que diz
respeito às comunicações tradicionais há bastante acúmulo no mundo de como a
atividade deve ou pode ser regulada.
Tudo ia caminhando quando aparece a internet. O que foi
concebido para ser uma rede de comunicação entre universidades para atender as
necessidades do Departamento de Defesa do governo dos EUA, se transformou em
uma imensa rede de comunicações espalhada pelo mundo que se presta a
transportar qualquer coisa na forma digital. De um e-mail até cópias em
altíssima resolução da Monalisa. De fofocas entre amigos até notícias de
eventos que mal acabaram de acontecer. Imagens, sons, textos, comandos remotos
para máquinas, cirurgias remotas e qualquer tipo de controle passaram a ser
feitos ou transportados quase instantaneamente para qualquer lugar do planeta.
E até mesmo para fora dele!
Mas também foi aberta a caixa de pandora da comunicação
social. No começo era o e-mail e uns poucos sites de notícia, muitas vezes
cópias dos jornais impressos. Hoje está tudo aí misturado. Aplicativos para
tudo e qualquer coisa, informações vindas das mais diversas fontes e com vários
graus de confiabilidade. Os jornais, as rádios e tvs abriram frentes na
internet. Criaram páginas nas redes sociais. E o mundo regular e regulado da
comunicação social foi virado de cabeça para baixo. A informação sobre o que ocorre
no mundo perde a intermediação da imprensa. Somos bombardeados por informações
vindas das mais diversas fontes, confiáveis e não confiáveis.
No início a internet era vista como um território livre e
sem dono. Mas com o passar do tempo pequenos negócios criados por empresas de
tecnologia se transformaram em gigantes que tomaram conta da grande maioria das
comunicações e serviços na internet. Amazon, Google, Facebook, Apple e Twitter
hoje são empresas imensas que controlam quase toda interação entre as pessoas na
internet. Essas empresas ao longo do tempo foram comprando empresas que foram
representando alguma ameaça ou que desenvolveram alguma tecnologia que poderia
ser incorporada. E com uma repartição do mercado que evite a competição direta
entre elas.
Quando essas empresas se apropriam de parte significativa da
comunicação social aparecem as questões e os riscos de tamanha concentração. Elas
evitam qualquer tipificação que as associe a alguma das formas prevista nas
legislações dos países. Não são empresas de comunicação, não são empresas de
geração de conteúdo, não são empresas de conexão ou de telecomunicações, enfim,
não são iguais a nada e a cada momento criam uma forma de escapar de qualquer
interferência dos governos em seus negócios. Se furtam a qualquer
responsabilidade sobre o que acontece em seus produtos.
Assim sentem-se a vontade de serem, investigadores, juízes e
executores das sentenças. Criam seus famosos “Termos de Uso” que se você quiser
usar o serviço tem que aceitá-lo. E como não aceitar o termo de uso? Se não
aceitar, não entra! E daí fica fora do mundo. Nenhuma plataforma de tecnologia
pode ter esse poder. Mesmo que seja para calar a boca de Donald Trump ou de
Bozo.
Controlar de alguma forma essas plataformas é algo complexo.
Estão situadas nos EUA, mas operam em toda parte. Podem operar de qualquer
lugar. E ao mesmo tempo não estão operando em lugar algum. Têm filiais
espalhadas pelo mundo, mas essas filiais são na sua maioria comerciais, para
venda de publicidade. Um bom ponto de partida são os regulamentos já existentes
que são resultado do acúmulo de décadas de discussão. Essas
empresas/plataformas tecnológicas precisam ser caracterizadas como um tipo
jurídico que permita a sua regulação e a submissão as leis dos vários países
onde operam. E não podem seguir tendo todo o poder de fazer e desfazer, de
bloquear e liberar, de dizer o que pode e não pode ser publicado. Isso deixa
nas mãos de empresas privadas transnacionais atividades que devem estar sob fiscalização
da sociedade.
Facebook, Twitter, Google e Amazon têm um poder sem precedentes
na história em suas mãos. Isso é um perigo para o desenvolvimento das lutas
sociais e para a circulação de ideias livremente. Além de serem uma ameaça
constante a privacidade. A grande fonte de receita delas é a venda de
publicidade dirigida. Que precisa de nossas informações pessoais. Agora mesmo o
Facebook, dono do Instagram e do WhatsApp, decidiu que os dados pessoais do
WhatsApp podem ser compartilhados com o Facebook, aumentando a sua capacidade
de conhecer nossos hábitos. Isso estará em um novo Termo de Uso do WhatsApp que
se não for aceito não permitirá o uso da plataforma. E não há legislação que
nos proteja disso.
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