O Estadão e o governo
Bolsonaro
Luiz Sérgio Canário
O parágrafo abaixo poderia constar de qualquer documento da
oposição ou do PT comentando os dois primeiros anos do governo Bolsonaro:
“Bolsonaro passou a primeira metade de seu mandato a
fazer o elogio do homem medíocre, menosprezando a respeitabilidade e rejeitando
qualquer autoridade que não fosse a sua. Elevou a crueldade à categoria de
virtude, contrariando valores humanitários, considerados hipócritas por ele e
seus devotos. Ao fazê-lo, ofereceu a seus ressentidos eleitores a possibilidade
excitante de mudar a história por meio do autoritarismo messiânico de seu
“mito”.”
Mas não é. Está no editorial de 01/01/2021 do vetusto e
insuspeito Estadão. A turma que anda buscando sinais à direita de rachas no
bloco golpista deve estar adorando. Mas para acabar com qualquer esperança de
apoio aberto do jornal ao impeachment dessa aberração pintada no parágrafo, o
editorial encerra com:
“Nas 17,5 mil horas desse pesadelo que ainda temos pela
frente, é preciso que a sociedade e as instituições democráticas impeçam
Bolsonaro de completar sua obra deletéria. Se não se pode esperar que Bolsonaro
se emende, ao menos é possível tentar reduzir os danos de sua catastrófica
passagem pelo poder.”
Como explicado no início do editorial, faltam cerca de 17,5 mil
horas para o fim do mandato de Bozo:
“O Brasil conta as horas para o fim do governo de Jair
Bolsonaro. A partir de hoje, quando se completa a primeira metade do mandato,
faltarão cerca de 17,5 mil – uma eternidade, considerando-se que se trata do
pior governo da história nacional.”
Nenhuma pista para o encurtamento dessa quantidade de horas.
Mesmo sendo o pior governo da nossa história. As instituições republicanas
devem se articular para reduzir os impactos do que vem pela frente, enquanto
aguardamos pacientemente por 2022. O mesmo Estadão não teve essa mesma
paciência com Dilma, mesmo perdendo o posto de pior governo da história para
Bozo. Não hesitou em estar na linha de frente do golpe que a derrubou.
Para os que buscam sinais na direita, pode ao menos ser um
sinal alvissareiro que o Estadão dá como certo que Bozo não se reelegerá. Estão
contando com o ovo antes dele ser posto.
Sobrou até para o intocável Paulo Guedes:
“Ele e seu “superministro” da Economia, Paulo Guedes,
passaram quase toda a primeira metade do mandato a anunciar privatizações em
massa, desenvolvimento econômico, criação de empregos, modernização do Estado e
competitividade internacional. A frustração de todos esses retumbantes
compromissos levou o ministro Paulo Guedes a anunciar: “Acabou. Não prometo
mais nada”.”
Mas antes que alguém se alegre com algum tipo de mudança em
relação a gestão macroeconômica, em outro editorial no mesmo dia o Estadão
fala:
“A contenção da dívida vai depender da combinação, nem
sempre fácil, da disciplina fiscal com o crescimento econômico e da confiança
dos financiadores. Essa confiança dependerá, assim como a política de juros do
Banco Central, de um compromisso claro do Executivo com a responsabilidade
fiscal e com a pauta de reformas. O Ministério da Economia reconhece essas
condições, ao apontar a “continuidade da agenda de reformas” como
“imprescindível para o equilíbrio fiscal”. Não basta, porém, a “continuidade da
agenda”. É preciso executá-la. Quem garantirá a continuidade e a
execução? Um presidente ocupado com assuntos familiares e com a reeleição?”
Tudo como dantes no Quartel de Abrantes. Os golpistas
acharam que era possível eleger Bozo e manter a casa em ordem com Paulo Guedes
no comando da economia, com pouca ou nenhuma intervenção do presidente.
Quebraram a cara. O perfil de Bozo o torna incontrolável, com seus próprios
interesses e operando com um círculo muito fechado de pessoas, que não inclui
Guedes. E esse se mostrou absolutamente incompetente para gerir uma economia da
complexidade da brasileira. O Brasil é bem mais complexo que o Chile, onde ele
ajudou a implementar a política neoliberal mais radical, com os resultados
nefastos conhecidos. Um incompetente arrogante. Na prática não havia nem houve
nenhum “Posto Ipiranga”. Nem sequer uma daquelas bombas de gasolina que havia
antigamente em cidades pequenas do interior. O governo Bozo foi incapaz de
cumprir o programa que a burguesia quer ver executado. E, considerando o
editorial do Estadão como termômetro, não vê mais condições da dupla fazer
isso. Mas somente mudaram de lado no mesmo barco. Estavam todos distribuídos pelo
barco, que estava bem equilibrado, esperando navegar em águas tranquilas. O
capitão e seu imediato com suas manobras loucas estão fazendo com que parte da
tripulação se mova, alterando o equilíbrio do barco. Mas isso não vai fazer o
barco afundar. É preciso um fator externo que o afunde.
Isso nos leva até o assunto do momento: a eleição da mesa
diretora da Câmara dos Deputados. Assim como esse editorial, essa eleição exibe
a bagunça que está vivendo o barco golpista nesse momento. Há duas turmas se
batendo, com a possibilidade da entrada de uma terceira turminha. E nós
entrando no barco para ajudar a equilibrá-lo, quando deveríamos estar
conclamando tempestades e incentivando os barcos ao redor a fazer de tudo para
fazer esse barco naufragar.
Temos um cenário de pavor. Até mesmo um dos maiores e mais
conservadores jornais brasileiros reconhecem isso. Até o Estadão reconhece a
incapacidade do governo e fala que é necessário que as instituições da
República façam alguma coisa, tomem alguma ação. Estão amedrontados com os
possíveis desdobramentos. Até a Globo, no dia que Bozo atacou Dilma, levou ao
ar em todos os jornais texto de Dilma, e pasmem, post de Lula. E é nesse
cenário que o PT e sua bancada de deputados socorrem os golpistas na resolução
de seus problemas e nas suas tentativas de reequilibrar as forças e conter os
danos de Bozo. E em troca de cargos e posições dentro do parlamento e de vagos
e incertos compromissos, como se isso fosse resultar em algum acúmulo de forças
na luta de classe para o nosso lado ou permitisse salvar o povo da miséria que
lhe aguarda nos dois próximos anos. Conversa mole para boi dormir. Os
interesses em jogo são outros e não são postos claramente na mesa.
O que deveríamos estar fazendo é acirrar essas contradições
para meter uma cunha entre eles dentro do parlamento. É lançar uma candidatura
de esquerda comprometida com os interesses de classe. É até mesmo estimular o lançamento
de outras candidaturas na direita fragmentando ainda mais esse campo. É exigir
que a proporcionalidade seja a contrapartida para participar e eventualmente
compor com a turma de Maia. Lançar uma candidatura aponta para a classe
trabalhadora que não estamos dispostos a contemporizar com golpistas. Que estamos
travando uma batalha no parlamento que precisa do apoio da classe e do povo,
mobilizar no sentido de fazer o povo se interessar pelo que ocorre no parlamento
e pressioná-lo em cada decisão que for tomada. Somente a força da mobilização
do povo nos leva a ter força no parlamento. Apoiar uma das facções golpistas
nesse momento é ignorar a conjuntura e as necessidades do povo. É abrir mão da
luta e do enfrentamento antes dela começar. Só perde quem não luta.
Ou vamos ficar vibrando na expectativa de que o Estadão com
seus editoriais abale a coligação golpista. Se isso acontecer certamente não
será a nosso favor.
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