Por quem os sinos dobram na cidade de São Paulo? *
No século XVII um poeta inglês, John Donne, escreveu: “então nunca pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”. Ele escreveu isso, além de por outras razões, se, por estar doente em casa há algum tempo, toda vez que os sinos da cidade tocavam anunciando uma morte, o povo não pensava que ele que tinha morrido. Em São Paulo os sinos tocaram no final das eleições e muita gente achou que tocou anunciando a morte do PT. Ainda não foi dessa vez! Nos ferimos, mas não de morte.
É fato que fomos derrotados eleitoral e politicamente. Mas
daí a termos morrido como querem alguns vai uma larga distância. Estamos muito
vivos, diga-se de passagem.
Números
Por conta da fragmentação partidária, 15 candidaturas se
inscreveram, representando 11 partidos isolados e 4 coligações, totalizando 32
partidos. A maior coligação, a do PSDB, tinha 11 partidos.
- PSDB: PP/MDB /PODE/PSC/PL/CIDADANIA/DEM/PTC/PV/PROS
- PSB: PDT/PMN/AVANTE/SOLIDARIEDADE
- PSOL: PCB/UP
- PSL: DC
Candidaturas e votos:
Esse é o reflexo da fragmentação partidária no Brasil. As quatro
candidaturas mais votados concentraram cerca de 80% dos votos. E exceto PT,
PSOL e PCdoB e PCO e PSTU com muito pouca expressão eleitoral, todos os demais
partidos estão à nossa direita. E a direita golpista e neoliberal está
representada na maioria dos partidos. Nesse bolo também estão os partidos do
bolsonarismo.
Comparando a votação da esquerda com os demais partidos temos:
Considerando os partidos da esquerda temos:
A votação dos demais partidos:
No segundo turno entre o PSDB e o PSOL, tivemos:
E por fim, a variação de votos entre o primeiro e o segundo turno,
considerando votos da esquerda e votos dos demais partidos, foi:
Em 2020 a esquerda teve, excetuando 2016, um ponto fora da curva,
a mais baixa votação nos primeiros e segundos turnos do século XX. O PT teve
metade dos votos de 2016 e oito vezes menos votos que em 2000, ano de sua maior
votação percentual, cerca de 38%. O PSOL catapultou sua votação quase sete
vezes em relação a 2016, ano de seu maior resultado percentual. Saiu de cerca
de 3% para cerca de 20%.
As abstenções dobraram nesse século, saindo de cerca de 15% em
2000 para cerca de 33% em 2020. O não-voto, soma de abstenções, brancos e
nulos, saltou de cerca de 24% em 2000 para cerca de 45% em 2020. Números do
primeiro turno. Quase metade dos eleitores consideraram que nenhuma das 15
candidaturas, de 32 partidos diferentes, lhe representava ou motivava a sair de
casa para votar. No segundo o percentual foi semelhante. Esse percentual é
equivalente aos de países em que o voto não é obrigatório. Na prática o voto no
Brasil se tornou opcional.
Esses números de não-votos refletem o descrédito do povo na
participação na vida política do país. Mais um dos efeitos colaterais da
lavajato, que para justificar o golpe e destruir o PT acabou por causar sérios
abalos em todo sistema político. Partidos, políticos, legislativos, governantes
e governos ganharam o carimbo da ineficiência e da corrupção. E a atividade
política virou quase coisa de bandidos. Com o PT à frente sendo a Geni do
sistema político. O antipetismo é empurrado como forma de tirar da política
seus aspectos mais nefastos. Só que não!
Antes das eleições
A prefeitura de São Paulo é a joia da coroa nas eleições
municipais. A maior cidade do país, capital do estado mais e dona de um dos
maiores orçamentos da República atrai a atenção de todas as forças políticas.
Da direita à esquerda. Desde 2019 já se especulava sobre candidaturas. Covas
era o candidato natural do PSDB por ser o prefeito. Russomano por insistência e
por querer ser o candidato de Bolsonaro, Joice Hasselmann por ter sido eleita
deputada com uma votação enorme e Marcio França por ter sido candidato a
governador em 2018 e ter tido uma expressiva votação na cidade de São Paulo. O
PT havia decidido lançar candidatura própria, eleito em uma prévia com a
participação de todos os filiados. PSOL e PCdoB, possíveis aliados do PT, logo
resolveram lançar candidaturas próprias esvaziando qualquer possibilidade de o
PT fazer qualquer coligação pela esquerda. PCO e PSTU nunca estão dispostos a
se coligar, além de terem pouca expressão eleitoral.
Logo o PDT decide apoiar Marcio França e fecha também a
possibilidade do PT fazer qualquer coligação pela sua direita. Marta Suplicy,
que se chegou a falar muito em ser vice de Haddad, se ele fosse candidato, está
no Solidariedade procurando algum espaço.
O campo à nossa direita vai se consolidando em torno das
candidaturas do Covas, principalmente, França e Russomanno. As demais,
Hasselmann, Matarazzo, não demonstram grande folego. REDE, PRTB, PATRIOTA são
figurantes na disputa.
O candidato escolhido pelo PT em um processo que deixou enormes
fissuras no partido é Jilmar Tatto. Na falta de alternativas, Carlos Zarattini,
deputado federal pelo PT, é indicado o candidato a vice-prefeito. O PT sai com
uma chapa puro-sangue, com dois homens brancos.
Nesse cenário profuso em candidatos, Bruno Covas e Celso
Russomanno logo se destacam como os líderes da corrida. Russomanno carrega o
peso de já por duas vezes sair liderando e perder votos à medida que a campanha
avança. Será que dessa ver vai? Não foi!
A candidatura de Tatto segue sendo bombardeada por muitos setores
do partido. A candidatura do PSOL, Boulos e Erundina, começa a despontar e cada
vez mais petistas se movem em direção a ela, pregando o voto útil. Boulos era a
única chance da esquerda ir para o segundo turno. A candidatura de Tatto é
cristianizada e até mesmo importantes candidaturas do partido, até mesmo de
ex-vereadores pelo PT, passam, sem a menor cerimônia ou vergonha, a esconder os
símbolos do partido e o nome do candidato. Alguns fazem campanha quase
abertamente para Boulos ou incentivam seus apoiadores a fazer isso.
Ao mesmo tempo que a candidatura de Boulos cresce, a grande
esperança da militância do PT, que segue firme na campanha, é nossa sempre
presente virada na linha de chegada. A campanha segue firme até o último dia.
Apesar de vários setores do partido terem tentado até o último minuto, até
mesmo Lula, fazer Tatto desistir da candidatura, ele vai até o fim. Até o
dobrar dos sinos que anunciam, não a morte do PT, mas a maior derrota do PT na
cidade de São Paulo. Chegamos em sexto lugar, pateticamente atrás de um
youtuber chamado Mamãe Falei, eleito deputado estadual em 2018 com boa votação,
que ficou famoso nas manifestações da direita durante o golpe. Fomos
fragorosamente derrotados eleitoral e politicamente na cidade que foi o berço
do PT, onde ele foi fundado e onde sempre teve bons resultados eleitorais.
O PSOL avança, nos atropela, e leva seu candidato ao segundo turno
para disputar a prefeitura com Bruno Covas. O resultado já foi mostrado mais
acima.
Jilmar Tatto
Tatto não foi um candidato ruim. Resolveu que seria o candidato e
lutou por isso até conseguir. E levou sua candidatura até o fim mesmo tendo que
enfrentar medalhões do partido como Gleisi, Marinho e o próprio Lula. Para ser
candidato provocou um racha na sua tendência, a Construindo um Novo Brasil,
CNB, que não consegue se unir ao redor de uma só candidatura. Como sempre joga
seus impasses internos para serem resolvidos pelo partido. Uma parte da CNB
havia lançado Alexandre Padilha.
Durante todo o tempo teve sua candidatura questionada. O candidato
natural do PT seria Fernando Haddad, que se recusou a sê-lo e contou para isso
com a ajuda do Diretório Nacional, DN, que não o chamou a responsabilidade,
mostrando que somente ele tinha condições de chegar ao segundo turno e até
mesmo de ganhar as eleições. Também era o candidato que o PSOL e o PCdoB concordavam em se coligar ao
PT. Até o DN decidir que iria convocar Haddad para a tarefa, Tatto era meio que
um candidato tampão, a espera que o candidato preferido resolvesse assumir a
tarefa. A partir o “eu não faço campanha para Tatto” foi aumentando de tamanho.
Mas Tatto demonstrou coragem e determinação todo o tempo. Fez
campanha intensamente, principalmente na periferia. No segundo turno chegou a
liderar carreata da candidatura de Boulos, que não estar lá por estar com a
covid. Mas isso não foi o suficiente. Não conseguiu unir o partido, atrair os outros
partidos de esquerda e, principalmente, atrair os eleitores. No fim sua
candidatura mostrou todas as limitações do candidato e do partido em São Paulo.
O dia seguinte
A vitória esconde todos os erros e é cheia de pais e mães. A
derrota é órfã. Mas exibe todas as fraquezas de quem perdeu. A confusão é tanta
para se chegar a algum diagnóstico que se discutiu até que como os votos de
Boulos eram do PT, quem ganhou foi o PT, em um raciocínio torto o quanto pode
ser. Que Boulos deve a vitória ao PT. Aos traidores do PT que além de votar em
Boulos ainda fizeram campanha para ele. E segue por aí a fora.
A derrota de Tatto e do PT tem uma longa história. E os sinos já
veem dobrando, mesmo que fraco, há algum tempo, anunciando essa derrota. Que se
solidifica na campanha. Jilmar Tatto é fruto de uma concepção de partido
burocratizada e autoritária. Ele e sua família controlam a burocracia do
partido na cidade, e mostrou sua força ao derrotar a todos os que apoiaram a
candidatura de Padilha. Sua família tem diversos representantes nos
parlamentos, incluindo Arselino Tatto, que é vereador desde o distante ano de
1988. A exceção da Articulação de Esquerda todas as forças que têm presença em
São Paulo se uniram para derrotar Tatto. E ele venceu a todos em um colégio
eleitoral onde votaram somente os dirigentes municipais e os dirigentes das 37
zonas eleitorais da cidade.
Tatto foi um candidato imposto ao partido pela burocracia que ele
controla e pelas disputas internas mal resolvidas da CNB. Tinha muito poucas
chances de vencer um candidato que tentava se reeleger com o controle da
máquina pública, que usa sem nenhum constrangimento, e com a rede de partidos
que organizou ao seu redor. É o exemplo acabado dos métodos usados há anos pela
CNB.
Se sua campanha não chegou a ser ruim, não foi boa. Conseguiu
montar um programa razoável, mas centrou seu discurso nas suas realizações e na
sua capacidade de fazer. Cansou de falar na substituição da bolacha seca por
comida de verdade, nos corredores de ônibus e nos quilômetros de ciclovias
construídas. Gastou dinheiro na produção de filmes para a propaganda na TV que
não conseguiu nem emocionar nem mobilizar as pessoas. Teve uma campanha pífia e
amadora na internet. E não elevou o nível político da campanha, associando os
problemas do dia a dia do povo da cidade as questões nacionais e estaduais,
trazendo as políticas neoliberais de Bolsonaro e Doria para dentro do debate. Nacionalizar
a campanha não é abandonar o tema do buraco na rua ou do transporte ruim para
bater em Bolsonaro. É trazer para o debate que o transporte seguirá ruim e as
ruas com buracos enquanto tivermos no governo Doria, Bolsonaro e Guedes
executando políticas que defendem interesses do mercado financeiro que pouco se
importam em como o povo vive. É mobilizar a classe trabalhadora na defesa dos
seus direitos. E que só assim, na luta contra a opressão, criamos condições
para termos transporte melhor e ruas sem buracos. Faltou política e emoção.
Principalmente política.
A campanha e a direção do partido não perceberam que o povo
paulistano buscava uma candidatura arejada e popular e viram em Boulos, e não
em Tatto, essa candidatura. Boulos e Erundina conseguiram, com muito menos
recursos e militância o que o PT não conseguiu: se mostrar como alternativa ao
PSDB. Boulos não tinha um programa, experiência, militância e estrutura. E foi
para o segundo turno. O PT ficou em sexto lugar.
Mais do que refletir sobre a derrota eleitoral precisamos refletir
sobre a derrota política. Essa traz consequências até de longo prazo. A derrota
eleitoral, mas com uma política justa e correta, pode ser revista e corrigida
no plano material. Mas a política não. Essa precisa ser encarada e suas razões
aprofundadas até as causas para que correções de rumo, táticas ou estratégias
diferentes possam recolocar a luta na direção correta.
Essa a grande tarefa que o PT em São Paulo tem: aprofundar a
discussão política sobre essa monumental derrota, chegar nas suas causas mais
profundas e corrigir os erros para retomar o rumo.
Viva o Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras!
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