Crônica de uma derrota anunciada
A candidatura de Jilmar Tatto nessa eleição já nasce com o
seu final previsto, tal qual a morte de Santiago. Era só estabelecer o roteiro
entre o nascimento e a morte.
A família Tatto é sempre associada as piores práticas para
controlar a máquina e a burocracia do partido. A região em que eles concentram
sua maior força política é até chamada de Tattolândia. O fato é que por uma
outra razão eles são uma força política grande na cidade de São Paulo.
O roteiro dessa derrota tem início quando ele demonstra a
intenção de se candidatar. Desde aí já se fala que se o candidato fosse ele “eu
não vou fazer campanha”, diziam alguns. Exercendo o seu legítimo direito ele se
inscreve para disputar as prévias. Outros 6 postulantes também se inscrevem.
Todo o arco político do partido em São Paulo está representado por essas
candidaturas, direta ou indiretamente. A força majoritária, a CNB, estava
representada por dois candidatos: Tatto e Padilha. O partido havia decidido que
a candidatura à prefeitura seria escolhida em uma prévia com participação de
todos os filiados.
O passo seguinte do roteiro rumo a derrota se dá quando, em
razão das restrições impostas pela pandemia, o Diretório Municipal – DM
resolve, com apoio da Direção Nacional – DN, reduzir a participação no processo
de escolha da candidatura a um colégio eleitoral formado pelos membros do
Diretório Municipal, sabidamente controlado por Tatto e pela CNB e seus
parceiros. A rejeição sobe de tom. Todos sabiam que esse colégio eleitoral era
construído sob medida para ele sair vitorioso. Revolta no parquinho! Todas as
forças políticas e a base do partido denunciam a manobra. A CNB racha com
Padilha do lado de todos os outros candidatos reivindicando prévias amplas.
Padilha, que entendia ter mais chances em um processo amplo, se junta a
gritaria contra a decisão do DM. A resistência aumenta.
Em uma solução de conciliação entre as duas facções da CNB é
apresentada uma solução: ampliar o colégio trazendo todos os membros de todos
os 37 zonais do partido na cidade, resultando em cerca de 600 pessoas com
direito a voto. Mais uma vez a CNB resolve suas disputas internas arrastando
todo o partido para a discussão. Essa solução é sacramentada, com a posição
contrária da Articulação de Esquerda, que resolve não participar do processo,
por todas as forças políticas e candidaturas. Em seguida, em um movimento para
tentar barrar Tatto, todas as candidaturas se retiram apoiando Padilha, que
acha que com esse movimento conseguiria batê-lo. Não consegue e Tatto é
escolhido candidato por pequena margem de votos. A força dele no partido e na
CNB é posta a prova e ele ganha sozinho contra todos. A rejeição chega as
alturas. Se fala abertamente em não fazer campanha.
O candidato natural do PT seria Fernando Haddad, ex-prefeito
e ex-candidato do PT à presidência em 2018. As forças de esquerda falavam que
se ele fosse o candidato poderia ser construída uma frente de apoio à sua candidatura.
Ele era colocado como o candidato reconhecido por todos como viável
eleitoralmente. O que tinha chances reais de vitória. Mas Haddad se recusa a
atender ao chamado. Não entende o momento e o que isso representava para o
partido e para a esquerda. Prefere se omitir e não tem a coragem de enfrentar a
tarefa que todo o partido lhe impunha. As consequências são rápidas.
O PSOL indica como candidato Guilherme Boulos, com Luiza Erundina
como vice. Isso reduz a margem para a existência de uma candidatura de unidade
da esquerda e dos setores progressistas. Logo em seguida o PCdoB faz o mesmo. Os
três maiores partidos resolvem cada um lançar o seu candidato. O PT fica com
dificuldades até para indicar o candidato a vice-prefeito. Acaba por indicar uma
solução caseira, outro homem branco de meia-idade: Carlos Zarattini.
O impedimento da formação de coligações nas eleições
proporcionais lança uma dificuldade grande para os partidos menores. O PCdoB,
por exemplo, tem conseguido eleger parlamentares em São Paulo em função de
coligação com o PT. Sozinho não tem votos para isso. Com a impossibilidade das
coligações proporcionais o espaço para coligações na eleição majoritária fica
ainda mais estreito. As estratégias de sobrevivência em certa medida passavam
por ter uma candidatura à prefeitura própria.
O roteiro da derrota nessa etapa toma a forma que teria até
o desfecho. O PT tem um candidato que dividiu o partido. Com pouco crédito até
mesmo entre os mais fiéis militantes. Recebe críticas de todos os lados e é
pressionado por gregos e troianos a renunciar à candidatura para apoiar Boulos
e forçar uma frente de esquerda já no primeiro turno. E essa conversa vai rolar
até o dia das eleições, com uma desastrada fala de Lula.
Foram 14 candidatos à prefeitura, com cinco coligações e
nove partidos políticos concorrendo isolados. Os principais foram:
· Bruno Covas – PSDB – atual prefeito
· Jilmar Tatto – PT
· Guilherme Boulos – PSOL
· Márcio França – PSB – ex-governador
· Celso Russomanno – Republicanos
Além desses lançaram candidaturas também o PSD, PCdoB, PSL,
PCO, Patriota, PRTB, PSTU e Rede. Covas e Russomano largaram em primeiro e
segundo lugares, seguidos por Marcio França e Boulos. Tatto vinha depois desse
bloco, demonstrando as dificuldades que teria pela frente. Acaba a eleição em quinto
lugar, atrás de Covas, Boulos, Marcio França e, inacreditavelmente, de Artur do
Val, o Mamãe Falei, do Patriota. Um pouco conhecido, fora do Youtube, youtuber
surgido nos protestos de direita pelo impeachment. Pela primeira vez o PT não
era um dos dois partidos mais votados no primeiro turno.
Desde o anúncio da candidatura Tatto sofreu todo tipo de
pressões para renunciar. Ao longo do tempo os militantes foram sendo cooptados
pela ideia do voto útil em favor de Boulos. Essa onda crescia a cada dia até
virar o tsunami que desabou sobre o candidato. Várias expressões antigas do
partido, como Marilena Chauí e André Singer, declararam voto em Boulos. A
dificuldade de trazer a militância para a campanha era grande. E mais uma vez a
campanha de rua foi sustentada por militância paga.
Vários candidatos a vereança pelo partido passaram a ou já
lançaram suas campanhas escondendo os símbolos do partido e sua candidatura,
numa postura oportunistas e traidora. Nenhum deles se elegeu. Assim a
candidatura anunciada para morrer, morre de forma melancólica. No seu rastro o
PT passa a ter 8 vereadores, antes eram 9, com idade média acima dos 60 anos, e
somente uma mulher, Juliana Cardoso. Mesmo ela entrando no quarto mandato. Nenhuma
renovação. Somente uma mulher. Suplicy é o grande puxador de votos, com 167.000
votos. O segundo mais votado do PT, Donato, aparece na longínqua posição 21 com
32.000 votos. O PSOL tem 3 dos 20 mais votados e elege 6 vereadores. Antes eram
2. Mesmo assim o PT, ao lado do PSDB, ainda tem a maior bancada.
O roteiro começa com uma decisão acertada, o PT lanças
candidatura própria, passa por um processo autoritário e antidemocrático de
escolha do candidato, avança pela má vontade, e em certa medida sabotagem, de
setores do partido, atravessa a onda do voto útil, que leva boa parte da
militância para Boulos, e termina com o atropelo eleitoral no dia 15 de
novembro de 2020. Data histórica que marca com muita força o nosso partido.
Mas o roteiro não foi escrito ao acaso. Como no livro de
Garcia Marques, mesmo já se sabendo do fim, é importante saber a construção do
desfecho e porque, apesar de conhecido, não foi impedido de acontecer.
Os métodos empregados para a indicação de Tatto foram os
mesmos usados para a indicação de uma major da PM em Salvador e pelo quase
impedimento da candidatura de Marilia Arraes em Recife. Ou, em um exemplo
menor, mas não menos importante, a composição com uma candidatura de direita em
Belford Roxo, no Rio de Janeiro. Uma concepção autoritária e antidemocrática de
funcionamento do partido. O desrespeito as bases do partido e o bloqueio a
participação dos filiados nos processos de decisão. Com a desculpa da pandemia
a força majoritária, com a ajuda de boa parte do partido, impôs um processo
meia-boca onde somente as direções dos zonais participaram. Somente a
Articulação de Esquerda levou sua posição contrária ao processo às últimas
consequências não participando das prévias. A força majoritária mais uma vez
impôs seus métodos forçando a escolha entre dois de seus membros: Padilha e
Tatto. Diga-se de passagem, o resultado eleitoral fosse Padilha o candidato
seria igual ou até pior. Em justiça a ele, apesar de todos os pesares, ele foi
um bom e combativo candidato. Não perdeu a garra e a vontade nem nos piores
momentos. Mesmo quando Lula, no dia das eleições, falou que a candidatura de Tatto
era fruto da própria teimosia, não exatamente com essas palavras. Padilha não
seria melhor candidato que Tatto.
A direção política da campanha não conseguiu dar o tom
adequado desde o início. Não percebeu a ameaça real para carregar votos e
militantes petistas que foi candidatura do PSOL. Não mediu adequadamente o
impacto de Luiza Erundina na chapa. Mais uma vez, apesar de ter tentado mais
que em outras campanhas e ter conseguido algum avanço, não conseguiu ter uma
presença forte nas redes sociais. Não trouxe ou formou nenhuma das tantas
pessoas que têm grande penetração e público nas redes. Ainda agiu de forma
amadora em um ambiente cada vez mais profissional.
Mas o que mais chama a atenção é a postura de parte dos
nossos candidatos a vereança. Verdadeiros traidores, que deram as costas ao
partido e seu candidato em uma conjuntura talvez a mais difícil. Esconderam o
que puderam referências ao PT, pareciam candidaturas independentes. E que ainda
por cima incentivaram por puro oportunismo seus apoiadores a fazerem campanha
para Boulos. A esses o conselho de ética deveria chamar para conversar.
Agora é defender a candidatura de Boulos no segundo turno
com força e garra. Mobilizar um partido ferido e com energias esgotadas. A
esquerda e a classe trabalhadora paulistana precisam varrer o PSDB e sua
política anti-povo e ultraliberal para a lata do lixo! Vamos a campanha.
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